Vitória para a Ciência:
Aprovada a utilização de células-tronco embrionárias em pesquisas
O STF (Supremo Tribunal Federal) aprovou dia 29/05/2008 as pesquisas
com células-tronco embrionárias no país. O Supremo rejeitou uma ação
direta de inconstitucionalidade contra o artigo 5º artigo da Lei de
Biossegurança que permite a utilização, em pesquisas, dessas células
fertilizadas in vitro e não utilizadas. Segundo a norma, podem ser
utilizados apenas os embriões que estejam congelados há três anos ou mais,
mediante autorização do casal. O artigo também veta a comercialização do
material biológico.
Clonagem terapêutica
para obtenção das células-tronco
Se em vez de inserirmos em um útero o óvulo cujo núcleo foi
substituído por um de uma célula somática deixarmos que ele se divida no
laboratório teremos a possibilidade de usar estas células - que na fase
de blastocisto são pluripotentes - para fabricar diferentes tecidos.
Isto abrirá perspectivas fantásticas para futuros tratamentos, porque hoje só
se consegue cultivar em laboratório células com as mesmas características do
tecido do qual foram retiradas. É importante que as pessoas entendam que, na clonagem
para fins terapêuticos, serão gerados só tecidos, em laboratório, sem
implantação no útero. Não se trata de clonar um feto até alguns meses
dentro do útero para depois lhe retirar os órgãos como alguns acreditam. Também
não há porque chamar esse óvulo de embrião após a transferência de núcleo
porque ele nunca terá esse destino.
Uma pesquisa publicada na revista Science por um grupo de
cientistas coreanos (Hwang e col., 2004) confirma a possibilidade de obter-se
células-tronco pluripotentes a partir da técnica de clonagem terapêutica ou
transferência de núcleos. O trabalho foi feito graças a participação de
dezesseis mulheres voluntárias que doaram, ao todo, 242 óvulos e células
"cumulus" (células que ficam ao redor dos óvulos) para contribuir com
pesquisas visando à clonagem terapêutica. As células cumulus, que já são
células diferenciadas, foram transferidas para os óvulos dos quais haviam sido
retirados os próprios núcleos. Dentre esses, 25% conseguiram se dividir e
chegar ao estágio de blastocisto, portanto, capazes de produzir linhagens de
células-tronco pluripotentes.
A clonagem terapêutica teria a vantagem de evitar
rejeição se o doador fosse a própria pessoa. Seria o caso, por exemplo, de
reconstituir a medula em alguém que se tornou paraplégico após um acidente ou
para substituir o tecido cardíaco em uma pessoa que sofreu um infarto. Entretanto,
esta técnica tem suas limitações. O doador não poderia ser a própria pessoa
quando se tratasse de alguém afetado por doença genética, pois a mutação
patogênica causadora da doença estaria presente em todas as células. No caso de
usar-se linhagens de células-tronco embrionárias de outra pessoa, ter-se-ia
também o problema da compatibilidade entre o doador e o receptor. Seria o caso,
por exemplo, de alguém afetado por distrofia muscular progressiva, pois haveria
necessidade de se substituir seu tecido muscular. Ele não poderia utilizar-se
de suas próprias células-tronco, mas de um doador compatível que poderia,
eventualmente, ser um parente próximo.
Além disso, não sabemos se, no caso de células obtidas de uma
pessoa idosa afetada pelo mal de Alzheimer, por exemplo, se as células clonadas
teriam a mesma idade do doador ou se seriam células jovens. Uma outra questão
em aberto diz respeito à reprogramação dos genes que poderiam inviabilizar o
processo dependendo do tecido ou do órgão a ser substituído.
Em resumo, por mais que sejamos favoráveis à clonagem
terapêutica, trata-se de uma tecnologia que necessita de muita pesquisa antes
de ser aplicada no tratamento clínico. Por este motivo, a grande
esperança, a curto prazo, para terapia celular, vem da utilização de
células-tronco de outras fontes.
Referências: HWANG, S. W.;
RYU, Y. J.; PARK, J. H.; PARK, E. S.; LEE, E. G.; KOO, J. M. et al. "Evidence of
a Plurpotent Embryonic Stem Cell Line Derived from a Cloned Blastocyst". Scienceexpress,
12 fev. 2004.
Texto adaptado de Zatz, Mayana. "Clonagem e células-tronco".
Cienc. Cult., jun. 2004, vol.56, nº 3, pp. 23-27, ISSN 0009-6725.
Ilustração de como seria a clonagem humana
O que é clonagem?
A
Clonagem é um mecanismo comum de reprodução de espécies de plantas ou
bactérias. Um clone pode ser definido como uma população de moléculas,
células ou organismos que se originaram de uma única célula e que são idênticas
à célula original. Em humanos, os clones naturais são os gêmeos idênticos
que se originam da divisão de um óvulo fertilizado.
Voltemos
agora à nossa primeira célula resultante da fusão do óvulo e do espermatozoide.
Logo após a fecundação, ela começa a se dividir: uma célula em duas, duas em
quatro, quatro em oito e assim por diante. Pelo menos até a fase de oito
células, cada uma delas é capaz de se desenvolver em um ser humano completo. São
chamadas de totipotentes. Na fase de oito a dezesseis células, as células
do embrião se diferenciam em dois grupos: um grupo de células externas que vão
originar a placenta e os anexos embrionários, e uma massa de células internas
que vai originar o embrião propriamente dito. Após 72 horas, este embrião,
agora com cerca de cem células, é chamado de blastocisto.
É
nesta fase que ocorre a implantação do embrião na cavidade uterina. As células
internas do blastocisto vão originar as centenas de tecidos que compõem o corpo
humano. São chamadas de células tronco embrionárias pluripotentes. A
partir de um determinado momento, estas células somáticas - que ainda são todas
iguais - começam a diferenciar-se nos vários tecidos que vão compor o
organismo: sangue, fígado, músculos, cérebro, ossos etc. Os genes que controlam
esta diferenciação e o processo pelo qual isto ocorre ainda são um mistério.
O
que sabemos é que uma vez diferenciadas, as células somáticas perdem a
capacidade de originar qualquer tecido. As células descendentes de uma célula
diferenciada vão manter as mesmas características daquela que as originou, isto
é, células de fígado vão originar células de fígado, células musculares vão
originar células musculares e assim por diante. Apesar de o número de genes e
de o DNA ser igual em todas as células do nosso corpo, os genes nas células
somáticas diferenciadas se expressam de maneiras diferentes em cada tecido, isto
é, a expressão gênica é específica para cada tecido. Com exceção dos genes
responsáveis pela manutenção do metabolismo celular (housekeeping genes)
que se mantêm ativos em todas as células do organismo, só irão funcionar em
cada tecido ou órgão os genes importantes para a manutenção deste. Os outros se
mantêm "silenciados" ou inativos.
Texto adaptado de Zatz, Mayana. "Clonagem e
células-tronco". Cienc. Cult., jun. 2004, vol. 56, nº 3, pp. 23-27,
ISSN 0009-6725.
CÉLULAS-TRONCO
As perguntas mais freqüentes
1 ) O que são células-tronco?
As células-tronco são células que apresentam grande capacidade de proliferação
celular e que podem se diferenciar em diversos tipos de células. Assim, elas
podem participar da regeneração de órgãos ou tecidos que tenham sofrido uma
lesão. Além disso, as células-tronco apresentam a propriedade de
auto-renovação, ou seja, gerar cópias idênticas de si mesmas.
2 ) De onde as células-tronco podem ser retiradas?
Há dois tipos de células-tronco: as células-tronco adultas e as células-tronco
embrionárias. As células-tronco adultas são aquelas encontradas nos órgãos e
tecidos já formados, tanto dos fetos, quanto das crianças e dos adultos. No
entanto, as células-tronco adultas, mais facilmente disponíveis e comumente
utilizadas na clínica, são as células-tronco presentes na medula óssea e no
sangue de cordão umbilical. As células-tronco embrionárias são definidas por
sua origem, e são aquelas encontradas desde os primeiros dias após a fecundação
até o estágio de blastocisto, o embrião de quatro e cinco dias após a
fecundação. As células-tronco embrionárias que são utilizadas para as pesquisas
são aquelas provenientes de embriões gerados em clínicas de fertilização, onde
o casal doa, para a pesquisa com fins terapêuticos, os blastocistos não
utilizados para a fertilização in vitro. O blastocisto é o embrião até antes de
ser implantado no útero, que ocorre a partir do sexto dia. O blastocisto
compreende a cerca de 100 a 150 células e o seu tamanho corresponde ao pingo
deste “ i ”.
3 ) Qual o uso em potencial destas células-tronco para a medicina?
As células-tronco têm sido vista como uma recente esperança terapêutica para o
tratamento de inúmeras doenças. A maior importância da terapia celular através
do uso das células-tronco está na sua capacidade de plasticidade que é a
propriedade de uma célula originar diferentes tipos celulares. Assim, as
células-tronco de um tipo de tecido podem originar tipos celulares de tecidos
diferentes, em uma nova localidade ou novo órgão. Desta forma, as
células-tronco podem ser totipotentes, pluripotentes ou multipotentes.
Totipotentes são as células que originam os mais de 200 tipos de tecidos diferentes
que formam o organismo humano, incluindo os anexos embrionários (placenta e
cordão umbilical). Esse tipo celular corresponde às células presentes no
embrião de até 3 dias. Células pluripotentes são aquelas que formam os mais de
200 tipos de tecidos diferentes do corpo humano, mas não são capazes de formar
os anexos embrionários. As células presentes no blastocisto são células-tronco
pluripotentes. As células multipotentes apresentam uma capacidade mais
limitada, originando apenas os tipos celulares de seu tecido de origem como,
por exemplo, as células do coração, do rim, entre outras. A maioria das
células-tronco adultas são multipotentes.
As células-tronco embrionárias são células não especializadas com alta
capacidade de auto-renovação e que podem ser expandidas indefinidamente. Por
possuírem grande plasticidade, quando as células-tronco embrionárias estão sob
certas condições fisiológicas ou experimentais, elas podem se tornar células
com funções especializadas podendo, por exemplo, se diferenciar em células
musculares, células produtoras de insulina, entre várias outras.
4 ) Por que há tanta polêmica em torno do uso das células-tronco
embrionárias?
Porque, para termos acesso a essas células, deve-se destruir o embrião que está
congelado nas clínicas de fertilização.
5 ) Por que os pesquisadores querem usar as células-tronco embrionárias,
já que elas são motivos de tanta polêmica?
Os cientistas precisam estudar todas as células-tronco, as adultas e as
embrionárias, pois elas têm características diferentes. Isso significa que
algumas células podem ajudar em algumas doenças e outras células-tronco em
outras doenças. Por exemplo, as células da medula óssea estão sendo usadas com
sucesso para as doenças cardíacas, além das doenças hematológicas. Então, para
essas doenças, provavelmente não precisaremos usar as células-tronco
embrionárias. Mas há outras doenças, com a diabete e lesão de medula espinhal
(paralisia), onde as células-tronco da medula óssea (ou outras células-tronco
adultas) não têm mostrado bons resultados. Por outro lado, as pesquisas
realizadas em animais com as células-tronco embrionárias têm mostrado que essas
células poderão ajudar mais no tratamento dessas doenças. Ou seja, entendemos
que é importante estudar todas as células-tronco para aprendermos com elas como
ajudar a encontrar a curas de algumas doenças e para podermos comparar os
resultados obtidos com as diferentes células-tronco.
6 ) A morte encefálica (ou morte cerebral) é o critério para o indivíduo
ser declarado morto. Como isso, permite-se que os seus órgãos podem ser doados
para transplante. Sendo assim, o início da vida não poderia ser considerado
quando as primeiras células nervosas aparecem?
Sim e grande parte dos cientistas ao redor do mundo têm usado esse critério
para se sentirem eticamente resguardados para usarem as células-tronco
embrionárias, sem que isso signifique destruir um ser humano. Esse fato
fundamenta-se na comprovação científica de que as primeiras células do sistema
nervoso central só começam a se desenvolver a partir do 14º dia após a
fecundação e se esse embrião estiver no útero materno. As células das quais
estamos falando referem-se às células do blastocisto, o embrião de 4 e 5 dias,
e que estão congelados e foram produzidos por um processo de fertilização assistida.
Ou seja, jamais foram ou irão atingir um útero materno. Entendemos, também, que
o útero materno é uma barreira intransponível. Se estivéssemos falando de uma
fecundação natural, o embrião só atinge o útero após o sexto dia. Mas estamos
nos referindo aos embriões que foram produzidos fora do organismo materno e que
não foram usados para a implantação no útero. Ou seja, os mesmos encontram-se
em um tubo de vidro e estão congelados e, porque os pais não querem mais ter
filhos, os mesmo não serão mais usados para gerar um novo ser no útero materno.
Portanto, inexoravelmente, esses embriões serão destruídos. Sendo assim, parece
mais digno que as células desses embriões, como se fossem doadores de órgãos,
sejam usadas para pesquisa, do que permitir que as mesmas sejam descartadas.
7 ) O uso das células-tronco embrionárias pode ser considerado aborto?
Não. A definição de aborto é a retirada do embrião ou feto de dentro do útero
ou organismo materno. Estamos falando de embriões que jamais estiveram ou
estarão em um organismo materno e que encontram-se congelados em clínicas de
fertilização.
8 ) O que diz a lei que permite o uso de células-tronco embrionárias?
A Lei 11.105 de 24 de março de 2005 proíbe (1) a engenharia genética de
embriões (quer dizer, a manipulação genética de embriões); (2) a clonagem
reprodutiva ou terapêutica; (3) a produção de embriões humanos para outro fim
que não a reprodução e (4) a comercialização de embriões humanos. Sendo assim,
a lei permite obter células-tronco a partir de embriões, desde que,
cumulativamente, esses embriões: (1) sejam excedentes; (2) foram produzidos
para reprodução por fertilização “in vitro”; (3) estejam congelados por mais de
3 anos ou que serão descartados por serem inviáveis (inadequados para a
implantação) e (4) somente após o consentimento dos genitores e mediante
doação.
9 ) O que está sendo discutido no STF (Supremo Tribunal Federal)
atualmente, sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias, já que elas
foram aprovadas em 2005?
Logo após a aprovação da lei em 2005, o antigo procurador geral da república
entrou com uma ADIN (ação direta de inconstitucionalidade) para pedir a
proibição da lei que autoriza a pesquisa com células-tronco embrionárias
humanas. Esse tipo de processo deve ser julgado pela Suprema Corte do Brasil, o
que é um caso inédito no mundo. É a primeira vez que a lei sobre uso de
células-tronco embrionárias humanas está por ser julgada pela Suprema Corte de
um país. Em breve, o STF deverá se reunir novamente para votar a continuidade
da vigência da lei ou a sua proibição.
Os pesquisadores estão confiantes que o STF irá votar pela
constitucionalidade de lei. Pois, após todo o progresso atingido com os
inúmeros debates que resultaram na aprovação da lei, entendemos que a mesma
permite o uso das células-tronco embrionárias humanas dentro de limites éticos
e morais.
10) Quais as doenças onde as células-tronco já têm mostrado resultados? E
a lesão de medula espinhal, já tem resultados promissores?
Doenças cardíacas, hepáticas, doenças auto-imunes, como esclerose múltipla e
sistêmica, entre outras, têm mostrado resultados promissores. O nosso grupo de
pesquisa da UFRGS, coordenado por mim, Patricia, e pelo professor Carlos
Alexandre Netto, têm trabalhado com o uso das células-tronco para doenças como
acidente vascular cerebral e lesão de medula espinhal, com boas perspectivas de
resultados.